domingo, 29 de dezembro de 2013

Carta ao passado



Nesta carta que nunca irá ler, coloco palavras que nunca disse, hei-de correr o risco de perder-me entre tantos pensamentos e sentimentos absolutamente distintos. Irás nela perceber minhas inúmeras mudanças de humor, assim como uma mudança não menos que radical da minha percepção dos fatos.
Após longa e frustrada espera, sem receber nenhuma linha sua, penso eu que seja a hora de lhe escrever.
Quero que perceba que não ponho nessa carta amargura, nem quero que lhe sinta culpado muito menos que tenha arrependimento. Não estou intencionado a pôr angústia em seu coração, mas sim tirar do meu.
Minha vaidade é grande e me impede de admitir que o tempo de nada serviu, se não para aumentar ainda mais as dúvidas que em mim profundam desde o dia em que você me deixou. Por ser orgulhoso,eu nego; se ainda penso nas coisas que fazíamos e na forma que me tratava. Eu minto quando questionado se procuro em outros amantes tuas qualidades e se faço avaliações dos futuros pretendentes de acordo com os teus juízos.
Sou orgulhoso demais para assumir que sentia tua falta mas por necessidade aceitar-te-ia caso quisesse voltar.
Durante esses anos eu esperei, naturalmente, para ouvir tuas desculpas, e para ver de que forma ias apresentá-las, mesmo sabendo que invariavelmente, fazendo  o que você fizesse, perdoar-te ia. Nada aconteceu, se não minha infrutífera espera…
E, então a dor tomou-me por completo, dor de pensar que talvez quem tenha se afastado tenha sido eu, por uma escolha errada, em defesa de uma certeza equivocada, que talvez eu tenha fugido e que você apenas respeitou a minha fuga, a me deixar fugir.

Acreditava que a vaidade era uma flor graciosa que podia adornar-me, sendo assim não te procurei, não sofri, não chorei, nem ao menos pedi a intervenção dos teus amigos para que você voltasse, pois acreditava que nada disso seria necessário, pois no tempo certo você perceberia que nada daquilo fazia sentido e voltaria.
Não voltou e sinceramente não desejo que um dia volte. As vezes imagino como seria se voltasses hoje, crio incontáveis histórias na minha cabeça e chego a conclusão que seria um estrago tamanho, só serviria para me fazer acreditar que tudo havia sido um engano e que essas duas pessoas, jamais se conheceram.
Hoje, contento-me apenas em ser nostálgico e, percebo que tu foste e continuas sendo minha referência afetiva mais sincera e profunda, mas não quero e nem vou viver esse amor sozinho, de platônicos já me bastam os sonhos.
Neste momento coloco o ponto final em minha fracassada espera, já não quero saber de reticências, elas me fazem acreditar num futuro que está preso ao passado e me fazem deixar de viver o hoje. 

Saudades é o que deixou.
Espero que essa saudade um dia se canse de mim, da mesma forma que eu me cansei dela.
Com amor,
Lucas.


Palpitações



Esse coração há de renunciar, a pulsar instável com tamanho desengano,
Com esse compasso ordinário, fazes da convivência, relutância.

Tua inquietação atordoa-me então mudo-me de posição,
Tomas conta do meu corpo e nele fazes um carnaval
—Peso na minha existência!

Onde vais com esse compasso agitado?
Enganaste-me com dois dias de trégua,
Mas retornaste ao entardecer.

Um dia hás de render-te às minhas súplicas, 
Irás pulsar delicado, sossegado como a natureza do infinito.
Imperturbado.

Lucas Martins 

Firmamento Adiante



Se pedires, coloco menos maquilhagem e mostro-te o meu rosto.
Levo-te bem longe, onde a chuva cairá igualmente entre nós,
Se desejares, carrego-te ao colo pelo caminho e penduro estrelas 
Para que possas caminhar na escuridão e, se precisares, 
Há fendas nas rochas onde poderás chorar em privacidade.
Quando chegar a primavera e as flores estiverem em toda sua opulência, 
Preparo-te um banho onde irás lavar-te de toda a dor e vergonha. 
No outono, varro o teu jardim para que possas deitar-te e ver todos os astros.
No inverno, prometo-te a minha pele.
Prometo-te amor sem paixões e deslumbramentos, 
Só amor e liberdade, sem desejo de pureza.
Se quiseres, livro-me de todos os ataques de silêncio rabugento 
E dos acessos de fúria epilética, concedo-te tudo e não desisto. 
Quando precisares, crio falsas desculpas para te confortar 
E apago em mim as reminiscências sentimentais do teu passado.
Se pedires, mostro-te as qualidades da dor,
Que te fazem ter consciência de quem és.
Se quiseres, alimento-te de toda minha poesia.
Se desejares, mostro-te o meu planeta…


Lucas Martins.

Fotografia: George Christakis