terça-feira, 17 de junho de 2014

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- Olá.
- Eh cara, estás muito taciturno e lacónico, só um olá. Pronto... Melhor que um não me procures nunca mais, como me escrevias. Espero que estejas bem. Eu fiquei sem trabalho e decidi viajar um pouco porque estava muito deprimido. Agora vou para a Argentina e depois para Madrid e depois Itália, a procura de um emprego. A situação está muito difícil e tenho medo de não sair dessa, mas vamos ver. Sorte então e um abraço.

Um soco no estômago, uma epifania. O tempo realmente apaga tudo, já não sinto mais nada, tenho medo de não acreditar mais em nada. Que vontade de não existir. Ele quer meu sexo, não o culpo, todos temos interesses. O meu sexo eu dou para qualquer um, para ele eu gostaria de ter dado algo melhor, mas já nada posso oferecer.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Razão


Ela dizia de sobejo, em algum lugar, já não se sabe exatamente onde, que a juventude não carece de explicação e pode ser inimiga das certezas absolutas, de modo que sempre existiu unicamente fiel à força e ao viço. Ela que anteriormente ocupava cômodos fechados, sem vista panorâmica, onde o sol não batia, de forma a estar sempre a se esconder da vista do mundo, agora de súbito, resolveu alastrar-se com cautela, entre a copa e a sala; lá exigindo presença, não se contentando mais em ser simplesmente senhora do porão. 

Eu, proprietário da minha juventude não me deixando levar pelos seus bracejos e perneios, culpo-me pelas tantas vezes que a deixei fazer passeios noturnos à vista de todos. Eu que nunca na vida, deleitei-me das águas de Juventa, nem implorei à Pandora qualquer aparência juvenil, vejo-me perseguido pelo mesmo terror dos proprietários das casas onde a razão e a normalidade fazem às honras da casa e não se contagiam com os processos malignos do pensamento. 

Justo eu que desgostoso com minha sorte, travei luta contra o tempo, exigindo sempre o futuro, descontente com a velocidade dos anos, estando sempre à espera da liberdade, vejo-me neste instante a implorar ao tempo uma desaceleração, não por vaidade ou pelos receios da beleza que se esvai, antes fosse, mas senão unicamente pela minha prezada sanidade. 

Digo-te já, não me foi prometido nada senão o tempo, e agora me pergunto, como ela pôde alastrar-se pela casa tão de súbito e tão rapidamente; não era esperado que ela me visitasse apenas quando eu tivesse a alcançar os anos onde o homem dorme e aguarda solenemente a voluptuosidade do nada, ou para os crentes, a terra da eternidade?

Creio eu que de tanto almejar os pensamentos daqueles que tiverem da vida os desejos saciados e dos que alcançaram alguma maturidade dos anos, acabei por intermédio de uma força misteriosa com os pés retidos no chão, alcançando somente os devaneios mais absurdos e destrutivos dos homens que edificaram meus sonhos pueris.

Agora, pergunto ao tempo, deixo que ela, a maligna, a que espalha palavras obscenas pela minha mente, a que anda pela casa nos domingos solitários, senão a própria; a sandice, devo deixá-la sair do porão e desfilar pela casa, exibindo ao mundo toda a loucura daquele que não deixou de pensar? 

Mas o tempo não responde, o minuto que passou não se realiza, somente o minuto que vem é real, o tempo subsiste em mim.


quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Rua Augusta



Estou farto de momentos significativos que no dia seguinte eu realizo que de significativo foi apenas minha ilusão, mas de vez em quando acontece uma exceção e tenho que lhe dizer: Essas exceções são maravilhosas! 
Nessa virada do ano de 2013 para 2014 uma exceção me escolheu.

Tenho que lhe contar que 2013 foi um ano ateu, meu coração se descobriu ateu, já não consigo acreditar nas pessoas, não cultivo mais deuses na minha cabeça, não busco a perfeição e já não espero o eterno de ninguém, nem prometo para ninguém o meu eterno, o eterno é contencioso, prefiro prometer o agora, deixo o eterno para os crédulos, sendo assim já não quero deuses, só se forem gregos, sim, gregos, aqueles deuses fascinantes, cheios de defeitos, imperfeições, falhas de caráter, assim como eu, assim como você.

Não sou uma pessoa supersticiosa, como já lhe contei sou ateu, mas tem coisas que me acontecem por alguns motivos estranhos, então me ocorreu estar preso numa superstição.
 A virada do ano de 2012-2013 foi horrível, em todos os sentidos possíveis e, por incrível que pareça, mesmo tendo entrado em péssimo estado em 2013, eu tive um ano ótimo, assim sendo me apeguei nisso e neste ano não criei expectativas, nem ao menos desejei ter momentos especiais na virada, acreditando veemente que isso me traria um 2014 mais agradável. Foi quando por volta das 7 da noite minha exceção se realizou, exceção de nome Sebastian, um polaco que eu havia conhecido em uma viagem a Polônia, que por ser maestro, tinha um concerto em Lisboa, e aqui estava, sozinho. Após alguns minutos de conversa decidimos nos encontrar.

Ao encontrá-lo, eu o enchi de explicações do meu atraso devido ao sistema precário de taxi na cidade, que poucos taxistas conhecem as ruas e não aderiram ainda a maravilhosa invenção do gps. Após toda aquela conversa, seguimos para o bairro alto, que para quem não conhece, é nada mais que um bairro antigo localizado na parte central da cidade, cheio de ruelas estreitas, bares e coisas da noite lisboeta...

Ao andar pelo bairro alto e ele encontrar mais de 3 pessoas conhecidas eu percebi o quanto sou anti-social, ele que esteve 2 vezes em Lisboa por poucos mais que 3 dias fez conhecidos e eu que moro a quase 2 anos não encontrei ninguém, entretanto eu sei que não preciso de novos amigos, já tenho 3 ou 4 e com eles eu partilho minha intimidade, que é uma coisa que não quero partilhar com mais ninguém.

Depois de uma dose de intoxicação alcoólica, caminhamos para nosso destino final, a Praça do Comércio, onde aconteceriam os fogos. Devido ao encontro com esses conhecidos dele, nós nos atrasamos, já eram 11:50 e ainda estávamos atravessando a praça Luís De Camões em direção à baixa.

Quando chegamos na rua Augusta faltavam pouco menos que 2 minutos para a virada, as pessoas corriam em direção ao arco da rua Augusta, olhando aquilo, aquelas pessoas correndo desesperadas para ver os fogos, minha cabeça se encheu de pensamentos, os mesmo que prometi que não teria, vendo aquilo eu me emocionei, era quase uma simbologia aquelas pessoas correndo em direção ao novo ano que chegava enquanto as pessoas que ali já estavam faziam a contagem regressiva, eu não fiz nada, apenas observei e posso dizer indubitavelmente que foi uma das cenas mais tocantes que eu já presenciei. 

Sabíamos que não chegaríamos a tempo na praça do comércio, então no exato momento que o ano mudou estávamos exatamente embaixo do arco da rua Augusta, então deu-se o momento e os fogos começaram, naquele instante nossos corpos estavam postos para um abraço, um beijo, qualquer coisa que demonstrasse um sentimento simples mas cheio de desejos de coisas boas, nos abraçamos e não falamos nada, apenas nos olhamos, aquela troca de olhares bastava, eu sorria, ele também...

Naquele instante eu não tive qualquer pensamento altruísta, apenas fui feliz, e mesmo sem querer eu fui feliz bem ali, debaixo do arco da rua Augusta.

Lucas Martins